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O mundo gasta cerca de US$ 2,5 trilhões por ano em transporte, energia, água e sistemas de telecomunicação para estimular o crescimento econômico e fornecer serviços necessários aos cidadãos, mas isso é insuficiente para lidar com problemas de mobilidade urbana, portos congestionados, longos apagões, acidentes em represas e falta de tratamento de água e saneamento (Woetzel, Garemo, Mischke, Hjerpe & Palter, 2016). De acordo com algumas estimativas, o mundo deve precisar de dezenas de trilhões de dólares de investimento em projetos de infraestrutura para atingir as metas de desenvolvimento das Nações Unidas até 2030, a chamada Agenda 2030. Ainda que o surto do novo coronavírus possa postergar a entrega de projetos de infraestrutura, a tendência não deverá ser alterada (Ika, Love, Matthews & Weili, 2020).
Como vimos, desde a crise financeira de 2008, o renascimento do interesse em infraestrutura em uma série de economias avançadas para lidar com a estagnação secular teve um forte impacto no crescimento liderado pela infraestrutura em economias em desenvolvimento e emergentes. A história de sucesso econômico e de redução da pobreza da China, com projetos de infraestrutura em grande escala, despertou o interesse de outros países em desenvolvimento em busca de projetos semelhantes (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento [Unctad], 2018; Woetzel et al., 2016). Como observa Hirschman (1958), o planejamento de infraestrutura em grande escala é “uma questão de fé no potencial de desenvolvimento de um país ou região” (p. 84). Essa fé alimenta a luta para entregar projetos de infraestrutura em grande escala na África, na Ásia, na América Latina e no Caribe. Grandes exemplos incluem a Nova Rota da Seda, na China, e a Make in India Initiative, na Ásia, planos de promoção da infraestrutura do Banco Africano de Desenvolvimento, iniciativa para a integração da Infraestrutura Regional da América do Sul e o Mapa de Parcerias Público-privadas da Infraestrutura do Caribe. Até mesmo o Banco Mundial, um ator-chave na política de estímulo ao crescimento internacional, mudou o foco em “acertar as instituições” - também conhecido como Agenda de Boa Governança - para “acertar o território” ou a integração das economias dos países com cadeias de valor globais (Schindler & Kanai, 2018). Assim, o Banco Mundial se comprometeu com o aumento dos investimentos em infraestrutura “de bilhões para trilhões” (Unctad, 2018).
No entanto, o planejamento e a entrega de infraestrutura continuam sendo um “negócio arriscado” (Flyvbjerg, 2014; Hirschman, 1958; Rondinelli, 1979), especialmente nas economias em desenvolvimento e emergentes (Gil, Stafford & Musonda, 2019; Schindler & Kanai, 2018). Nessas partes do mundo, projetos de grande escala, muitas vezes iniciativas interorganizacionais (Manning, 2017), tendem a experimentar uma enorme incerteza e complexidade estrutural (Bentahar & Ika, 2020; Gregory, 2020; Shenhar & Holzmann, 2017), imensa complexidade política e, portanto, altos custos de transação e institucionais (Ika, Söderlund, Munro & Landoni, 2020; Lizarralde, Tomiyoshi, Bourgault, Malo & Cardosi, 2013; Orr, Scott, Levitt, Artto & Kujala, 2011). Como resultado, seu desempenho é difícil de medir e controverso (Ika, 2018; McDermot, Agdas, Rodríguez Díaz, Rose & Forccael, 2020). Este é o caso de projetos como o Gasoduto Chade-Camarões (US$ 4 bilhões) e as usinas a carvão na África do Sul ($ 14 bilhões em Medupi, $ 5 bilhões em Kusile e $ 2 bilhões em Ingula) e seus desafios para atender às necessidades dos beneficiários (Gregory, 2020; Ika, 2012). Parte do problema é que a inclusão e a participação social são muito difíceis de alcançar, como atestam projetos como a Rodovia BR-163, com 1.780km de extensão, e a Barragem de Belo Monte, no Brasil, de US$ 16 bilhões, que beneficiaram mais as elites econômicas do que as populações menos poderosas (Abers, Oliveira & Pereira, 2017).
Nesses contextos peculiares, os projetos apresentam altas taxas de insucesso e falhas. Na Nigéria, constatou-se que 19 mil projetos iniciados não foram concluídos (Umoru & Erunke, 2016). O Brasil também tem seu quinhão de projetos de construção abandonados (Samuels, 2002). Clientelismo, conluio e corrupção permanecem assassinos silenciosos para esses planos (ver Williams, 2017 e Damoah, Akwei, Amoak & Botchie, 2018 para o caso de Gana). Por exemplo, o Banco Mundial afirma que essas práticas nocivas podem custar até US$2 trilhões por ano em compras globais (ver Signor, Love & Ika, no prelo, sobre a Operação Lava Jato). Somando-se aos fatores já descritos está o fracasso da escolha coletiva ou das barganhas dos políticos locais, inconstantes e imprevisíveis, para chegar a um consenso sobre os locais-alvo para os projetos, o que pode levar a gastar o dinheiro destinado a um projeto em andamento para iniciar outro (Williams, 2017).
Na África, por exemplo, a International Finance Corporation, braço privado do Banco Mundial, estima que metade de seus projetos falha por causa de uma série de problemas e armadilhas (Ika, 2012). Notavelmente, tais projetos confrontam problemas estruturais (econômicos), institucionais (governança) e gerenciais (monitoramento). Eles também caem no que Ika (2012) denominou armadilha técnica genérica (por exemplo, o equívoco de que um projeto é um projeto), armadilha de responsabilidade pelos resultados (por exemplo, ênfase demais no acompanhamento dos resultados e pouco na sua entrega), armadilha da falta de capacidade de gerenciamento de projetos (por exemplo, falta de habilidade de gerenciamento de projetos) e uma armadilha cultural (por exemplo, subestimar o contexto e a cultura locais).Porém, nem todos os governos de países em desenvolvimento e emergentes enfrentam os mesmos desafios. Embora países de renda média, como o Brasil, a China e a Índia, possam financiar seus projetos de infraestrutura por meio de orçamentos nacionais ou de parcerias público-privadas, este não é o caso de países como Afeganistão, Colômbia, Haiti, Laos, Libéria, Sudão do Sul e Níger, que acham bastante difícil atrair dinheiro privado para a infraestrutura (Moore, 2018). À luz dessas especificidades contextuais (Furtado, 1971; Ika et al., 2020), não existe uma abordagem única para a entrega de infraestrutura, o que requer formas específicas de planejamento e gerenciamento de projetos em lugares como China (Li, Sun, Shou & Sun, 2020), Brasil (Ramos, Mota & Corrêa, 2016) e África (Gil et al., 2019).
Além disso, projetos de infraestrutura em grande escala - sejam eles de natureza redentora, missionária, aniquiladora, heroica ou ilusória do ponto de vista simbólico (Rego, Irigaray e Chávez, 2018) - nem sempre levam à prosperidade, isto é, promovem o crescimento econômico de longo prazo e a redução da pobreza, conforme esperado. Eles não apenas tendem a sucumbir a estouros de custos e déficits de benefícios em economias em desenvolvimento e emergentes, assim como em economias avançadas (ver Flyvbjerg, 2014; Love, Ika & Sing, no prelo), mas podem gerar impactos sociais e ambientais não intencionais (Gellert & Lynch, 2003; Hirschman, 1967; Schindler & Kanai, 2018). A Barragem das Três Gargantas, na China, e os projetos da Amazônia brasileira são boas ilustrações (Abers et al., 2017; Shenhar & Holzmann, 2017).
Embora a infraestrutura seja importante, pouco foi escrito, no entanto, sobre planejamento, entrega e desempenho de infraestrutura de grande escala em países em desenvolvimento e emergentes (Gil et al., 2019; Gregory, 2020; Ika, 2018; McDermot et al., 2020). Nesse pano de fundo, a chamada de artigos busca explorar a entrega de infraestrutura e gerenciamento de projetos em economias em desenvolvimento e emergentes. Somos inspirados pela ideia de que, assim como os países em desenvolvimento e emergentes contribuíram para o surgimento e a definição de metas de desenvolvimento sustentável (Fukuda-Parr & Muchhala, 2020), eles também podem moldar a teoria e a prática do gerenciamento de projetos (Hirschman, 1967; Ika, Söderlund, Munro & Landoni, 2020). As questões de pesquisa são as seguintes:
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1) O que torna os grandes projetos de infraestrutura desafiadores e complexos de serem gerenciados em países emergentes e em desenvolvimento?
2) Qual é o estado da arte da pesquisa sobre entrega de infraestrutura e gerenciamento de projetos em países emergentes e em desenvolvimento?
3) O que explica os excessos de tempo e custo em grandes projetos de infraestrutura em países emergentes e em desenvolvimento?
4) Por que grandes projetos de infraestrutura em países emergentes e em desenvolvimento não conseguem cumprir seus objetivos estratégicos?
5) O que torna a governança de grandes projetos de infraestrutura diferente entre países desenvolvidos e menos desenvolvidos?
6) Que papéis específicos os patrocinadores e gerentes de projetos desempenham nos contextos específicos que cercam a entrega de projetos nos países emergentes e em desenvolvimento?
7) Como o clientelismo, o conluio e/ou a corrupção influenciam o desempenho de projetos em países emergentes e em desenvolvimento?
8) Quais são as histórias que as partes interessadas contam sobre o início, o planejamento, a implementação e o desempenho desses projetos e o que eles representam simbolicamente para os países emergentes e em desenvolvimento?
9) Como a internacionalização ou o multiculturalismo impacta a entrega de infraestrutura em grande escala em países em desenvolvimento e emergentes?
10) Como os projetos de infraestrutura em grande escala em países em desenvolvimento e emergentes respondem à s metas de desenvolvimento sustentável?
Esta edição especial permanece, entretanto, aberta a quaisquer outras questões de pesquisa relacionadas, desde que esclareçam a entrega de infraestrutura e gerenciamento de projetos em economias em desenvolvimento e emergentes. Aceitamos artigos teóricos e empíricos que contribuam significativamente para a teoria e a prática da entrega de infraestrutura e gerenciamento de projetos. |
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REFERÊNCIAS
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