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As contradições promovidas pelo contexto econômico sob o qual vivemos na contemporaneidade têm, por um lado, acentuado o processo de reificação do ser social, pela crescente algoritimização administrativa e gerencial, e, por outro, extremado a precarização do trabalho, pela flexibilização organizacional. A legitimação desses meios e a naturalização de suas consequências danosas à vida humana associada e à natureza encontram confortável guarida nas teorias organizacionais hegemônicas no âmbito acadêmico e nas práticas administrativas que as inspiram. São elas que formam o pensamento organizacional (PO) em vigor. Sabemos que o PO, desde os primeiros movimentos de sua sistematização, no século XIX, tem sido articulado em torno de uma concepção específica de racionalidade; no caso, a racionalidade instrumental. Os apontamentos dessa configuração de ideias têm sido feitos por uma diversidade de intelectuais, como Antônio Gramsci, Bolivar Echeverría, Guerreiro Ramos, Herbert Marcuse, Max Weber, Nancy Fraser.
Porém, na mesma centúria de seu irrompimento, surgiram também antitéticas reflexões sobre o contexto socioeconômico que condicionava as ideias e práticas articuladas. Essas reflexões foram, paulatinamente, aglutinadas sob a insígnia de pensamento crítico (PC), que visa à análise não só da organização econômica da sociedade, mas de seus reflexos nas relações sociais de produção. Os debates principais giravam em torno de temas como questão social, emancipação, autorrealização, racionalidade, desenvolvimento, realização pessoal, relações de trabalho, progresso científico-tecnológico.
No início da atual centúria, o PC tem sido pautado pelo tema da descolonização do pensamento, com o intuito de atender à dicotomia artificialmente criada entre norte-sul, centro-periferia, primeiro e segundo mundo e quejandos.
Uma pergunta que deixamos para os autores que atenderem a esta demanda do Cadernos EBAPE.BR é a seguinte: até que ponto a busca pela eficiência e/ou produtividade, categorias universais do PO, assim como a busca constante do mundo da produção, pode ser adaptada às singularidades nacionais, regionais ou locais?
Nesse sentido, novas visões organizacionais do Sul geopolítico são bem-vindas, de onde outras práticas e formas de gestão são recuperadas e promovidas, como as de inspiração ancestral. O intuito é contribuir para a reflexão que requer a incorporação da perspectiva social inclusiva na prática da administração.
Desse modo, a presente chamada de artigos do Cadernos EBAPE.BR tem como objetivo central dar continuidade aos seus propósitos desde 2003, ano de sua criação como periódico: contrapor o PC ao PO. Com isso, o Cadernos EBAPE.BR, mais uma vez, intenta contribuir para o debate na comunidade acadêmica, notadamente aquela destinada ao ensino da Administração, buscando minimizar a ingenuidade no ensino das teorias organizacionais. Como apontava Guerreiro Ramos, “a teoria da organização, tal como tem prevalecido, é ingênua. Assume esse caráter porque se baseia na racionalidade instrumental inerente à ciência social dominante no Ocidente” (Guerreiro Ramos, 1981, p. 1).
Serão bem-vindos artigos que versem sobre as seguintes temáticas:
• Pensamento crítico latino-americano ontem e hoje.
• Crítica do management e das teorias organizacionais.
• Reestruturação produtiva.
• Flexibilização organizacional e do trabalho, uberização, teletrabalho.
• Espetacularização organizacional e sequestro das subjetividades.
• Escola de Frankfurt e sua atualidade na crítica do pensamento organizacional.
• Decolonização e pós-crítica.
• Perspectivas organizacionais de inspiração ancestral.
• Formas colaborativas de gestão nas organizações.
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