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Compreendendo a migração como “uma prática social carregada de experiências vividas, negociadas e produzidas no espaço” (Dias, 2019, p. 63) e sabendo que as mobilidades contemporâneas assumem contornos cada vez mais complexos, essa chamada para artigos diz respeito a migrações e mobilidades associadas a trabalho. Desafios, mudanças e momentos difíceis são inerentes ao processo de mobilidade, tanto regional quanto internacional. Acredita-se que, mesmo com a pandemia de COVID-19, os movimentos migratórios associados ao trabalho continuarão e se intensificarão, como já mostram estudos anteriores (Alon, Doepke, Olmstead-Rumsey & Tertilt, 2020; Baeninger, Vedovato & Nandy, 2020; Karim, Islam & Talukder, 2020).
Os estudos sobre migrações que enfocam, de modo agregado, países lusófonos são escassos. Um Call for Papers sobre o tema foi realizado em 2011 por Peixoto e Fernandes (2011). Essa chamada deu origem a artigos que diziam respeito aos mais variados assuntos: migração, refúgio, processos de regulamentação, migração laboral, entre outros. O pretexto para essa publicação dizia respeito a cruzar conhecimentos e experiências entre países que falam a mesma língua. Como diziam os organizadores (Peixoto & Fernandes, 2011, p. 14), “apesar de situados em diferentes regiões do mundo e de conhecerem histórias e problemas migratórios muitas vezes diversos, o facto de pensarem e falarem português pode facilitar o intercâmbio de ideias”. Seguramente, foram seguidos os passos de Maria Ioannis Baganha (2009), a primeira a refletir de forma sistemática sobre a migração lusófona. Foi aberto espaço para uma melhor teorização do sistema migratório lusófono (Marques & Góis, 2011).
Uma nova chamada de textos sobre a migração em países de língua portuguesa se justifica face às profundas alterações que se verificaram na última década. Em 2019, havia aproximadamente 272 milhões de migrantes internacionais no mundo, dos quais quase dois terços por motivos de trabalho (International Organization for Migration [IOM], 2019). Antes da pandemia, projetava-se que, até 2050, haveria 405 milhões de pessoas deslocadas no mundo inteiro (IOM, 2017). As variáveis que influenciam as dinâmicas migratórias são complexas, incluindo desenvolvimento econômico, crescimento demográfico, avanços tecnológicos, crises e conflitos de ordem diversa, além de, recentemente, a pandemia. Há vários tipos de migração: própria, forçada, regular, irregular, laboral e qualificada, entre outras.
Assim, há ainda muitas portas para estudar o fenômeno migratório. Para King e Lulle (2016), o movimento migratório hoje está mais diversificado do que no passado. Segundo os autores, é preciso estudar novas questões que vão além das tipologias clássicas. Os países em desenvolvimento costumam estudar o movimento migratório pela pobreza. Castles (2010) destacava, há 10 anos, a necessidade de mudar a lupa com que se olha esse movimento para além do fator econômico. O autor também versa sobre a importância de novas abordagens metodológicas para olhar o fenômeno da migração, que é, portanto, uma mudança de expressão social (Castles, 2010). Há novas geografias e temporalidades em evidência para pensar novos estudos em migração, configurando o que o autor chama de mix de migração.
Vários temas inovadores emergiram nos últimos 10 anos. Os movimentos de refugiados sempre estiveram em foco, mas sua visibilidade aumentou bastante. Os deslocamentos causados por motivos ambientais entraram na agenda à medida que se alargou o impacto das alterações climáticas. Locomoções de grupos específicos, como estudantes, investidores e aposentados, foram objeto de atenção. Também se adicionaram a esses novos tópicos a criminalização da migração ou o retorno de muitos migrantes para seus países de origem. Por fim, a pandemia, sem dúvida, impactou a vida dos mais vulneráveis e dos migrantes. As mobilidades tendem ainda a ser afetadas pelo racismo estrutural, que se intensifica pelos métodos cada vez mais sofisticados de tecnologias de controle: por câmeras especiais , telefones móveis, placas dos carros, controle da face e das impressões digitais. Sem dúvida, tais controles recaem sobretudo em migrantes e refugiados em situação de vulnerabilidade, com a própria existência sendo criminalizada (Joseph & Neiburg, 2020). Além disso, apresentam-se violência, abusos e recusas de entrada no país, com a consequente deportação.
O mercado de trabalho sofreu também múltiplas alterações, que passaram por um reforço da lógica de flexibilização e pelo impacto das novas tecnologias. Pesquisas sobre o tema têm mostrado uma precarização cada vez maior e mais desajustes entre trabalho e níveis de qualificação. Ao mesmo tempo, registra-se um aumento pronunciado de novas formas de trabalho, como a gig economy e o nomadismo digital. A segmentação entre nativos e imigrantes ocorre de forma crescente. Muitos migrantes qualificados ocupam vagas não qualificadas. As mulheres, por exemplo, mesmo altamente qualificadas, muitas vezes são subordinadas a empregos e trabalhos menos qualificados. Hirata (2009) aponta para a relação entre precarização, flexibilização e trabalho de mulheres.
Nesta chamada, aceitamos trabalhos empíricos, teóricos, ensaios e revisões sistemáticas da literatura, com enfoque na relação entre trabalho, migrações e mobilidade, bem como na situação atual dos países de língua portuguesa. Os temas que reverberam o fenômeno da migração, do refúgio, e que serão aceitos nesse CFP são:
• Mercado de trabalho, segmentação e precarização.
• Gig economy e nomadismo digital.
• Gênero e interseccionalidade nos estudos migratórios.
• Migração de retorno.
• Conflitos, guerras civis e desestruturação do mercado de trabalho.
• Alterações climáticas e novos movimentos de trabalho.
• Deslocamentos internos.
• Análise de políticas migratórias nos países da lusofonia e geografia do trabalho.
Algumas perguntas pautam nossa chamada:
• Como os movimentos migratórios vêm se apresentando entre os países lusófonos?
• O que tem levado ao projeto migracional em países de língua portuguesa?
• Como as alterações do mercado de trabalho e as inovações tecnológicas têm alterado as migrações nesse contexto?
• Quais estratégias para a inserção laboral dos sujeitos que migram para (ou de) países lusófonos?
• Como têm se apresentado as migrações forçadas por causa de guerras civis e ataques armados/terroristas e a consequente desestruturação das economias?
• De que modo as alterações climáticas induzem migrações em busca de trabalho?
• O que podemos aprender com o que vem se apresentando em termos de migração na pandemia de COVID-19?
• Como as questões de gênero vêm se interseccionando com as questões migracionais nesses países?
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